14.10.17

Café Nicola - Lembranças e muitas bicas…

O Café Nicola da Figueira da Foz (local do antigo Café Espanhol, de Raul Lourenço Rainha) abriu em 1940 e tinha como sócios, entre outros, Manuel da Piedade e Vítor Pais. Possuía 104 mesas e 52 empregados. Um ano depois, o Dr. José Rainha, delegado de saúde, confirmava o alvará. O café abria das 8 à 1 hora (no verão até às 4 da manhã). Eram tempos difíceis numa cidade que vivia apenas da época estival, do “aluguer” de casas aos banhistas. Em 1953, ano em que surgem o Grande Hotel e a Piscina-Praia, a Figueira vivia ainda os ecos da situação da falência do Banco Costa & C.ª, e o café era ponto de encontro de conversas e do inconfortável desgosto. O Inverno era longo e menos atarefado, e a esperança de então era que começassem as obras do porto e barra para chamarem mais desenvolvimento. 
Os anos passaram e prestígio do Nicola cresceu. O êxito do bife, a esquina do Picadeiro, embelezada pela esplanada, alinhada com estrado em madeira, onde senhoras e cavalheiros saboreavam capilé (sem corantes nem conservantes), salsaparrilha, mazagran ou mesmo um pirolito… sem bola! E cerca de cem quilos de café por semana, conforme as requisições. 
Mais uma década e o romantismo, envolvência e história do Nicola a pesar no turismo figueirense. Nas mesas, em serviço, nomes como Silvino e Abel “Matateu”, entre outros, ao som da Orquestra Ginásio, pontificavam. 
O novo Nicola, construído de raiz, foi inaugurado em 1972, a um sábado de Junho, após profundas obras de remodelação (em apenas um ano), pelo então governador civil, presidente da Câmara, José Coelho Jordão, e por António Mendes do Amaral. Usou também da palavra Francisco de Freitas Lopes, distinto empresário local e que ali representava a sociedade proprietária. Apresenta-se como café (com muito menos mesas) e restaurante, tendo na Cozinha o chefe Rosado. 
O número telefónico 22359, discado com o cerimonial rotativo do dedo, não ia ter ao Nicola… era atendido na Albergaria, por vezes pelo gerente José Sopas ou pela Margarida Avelino. O café, na porta ao lado, estava à pinha! O António Eleutério servia, sem esquecer nenhum pedido, as bicas do jantar, algumas com “cheirinho”, outras acompanhadas com o pequeno balão, riscado a azul, onde era entornado um aquecido Macieira. Nas prateleiras de vidro, os bolos, confeccionados na Sofico, iam quase todos, restavam duas ou três natas quando havido matinée no cinema. 
Antes, o Lino, nos bilhares, abria com a chave a caixa das bolas e fornecia os tacos... para além do giz azul para uma boa carambola
Carlos Melo e Adelino olhavam para as equipas da noite, já que Filipe assegurava o turno diurno. Nas mesas redondas, as conversas desfiavam-se em novelos de convívio e prazer, algumas de política até como preparativos locais das tropas do C.I.C.A. 2 e R.A.P. 3 para a operação do 25 de Abril. A Ti Celeste dos jornais, sentada nos degraus, ao frio, de luvas velhas e gastas, esperava p’la A Capital, que às vezes tinha problemas nas máquinas e não chegava… 
O António ‘Cauteleiro’ insistia na taluda, com as fracções penduradas na mão e agarradas com uma mola preta.
O Abel tratava de engraxar sapatos. A sessão do Peninsular terminava e aí vinha outra pequena multidão. Olhava-se para o relógio e eram 23h30. Estava cheio! O filme era de cowboys, com John Wayne, como se lia no programa da tipografia do Tonó. Para baixo já havia passado o Quim Charlot e o Batista, de camisola vermelha às costas. Eram os protagonistas da noite, quem enrolava as bobinas de celulóide e projectava a película, após o gongo ter dado o sinal de início da sessão. Saíam ainda o fiscal Paulo Monteiro e o genro, João ‘Padre Nosso’ , que ainda substituía o cartaz … para amanhã! A D. Leonor, de alvo cabelo e metódica organização, saía mais cedo, após o fecho da bilheteira. 
Em 1995 novas obras restauram o Nicola. Ei-lo, ainda, às portas do Picadeiro. 
António Jorge Lé – Texto publicado no Diário de Coimbra de 20.set.017 = Fotos do arquivo fotográfico de António Flórido.

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